Ainda no primeiro dia, após as apresentações da "Mesa"...
Era hora de partir para os quartos, escolhi começar pelos individuais, provavelmente seria mais fácil. Comecei pelo do S. Mario, que estava acompanhado da esposa, a D. Sueli. Ele não era “idoso” de verdade, e foi por aí que comecei a conversa, afinal, o que ele estava fazendo ali? Os dois começaram a me contar que estavam fazendo um campeonato para ver quem tinha mais AVCs... Haja bom humor, né? Eu disse que não tinha essa prova nas Olimpíadas, que era para eles tratarem de concorrer em outra categoria, onde já se viu!
Depois eu emendei que Mario é um tipo de homem muito teimoso... que precisava se cuidar... que meu pai, Mario como ele, também andava brincando de campeonato, só que na categoria cardíaca... Quase na hora de ir embora, eu passei pelo corredor e vi D. Sueli, o filho e a filha, conversando com a médica. A carinha deles, e a conversa que peguei de orelhada “ele precisa se cuidar, senão...” fizeram com que eu me identificasse tanto com essa família, foi um segundo que me fez sentir mais “gente”, companheira de todos os humanos que estão aqui neste mundo vivendo suas histórias e dramas, muitas vezes achando que são exclusivas... Essa percepção me deixou mais leve, fiquei pensando que Deus é bem engraçado mesmo!
O primeiro quarto coletivo foi bem complicado, pois os pacientes estavam muito debilitados. S. Fernando está imóvel, boca e olhos abertos, mas nada se mexe. Conversei com ele, toquei minha caixinha de música. Não sabia o que estava fazendo, se ficava mais ou ia embora, momento de interrogação total. Fui, mas com um vaziozão no peito, o que isso significa?
Nos outros quartos coletivos tive um pouco mais de facilidade, quero dizer, pelo menos nos quartos femininos. Os homens estavam bastante frios, e, nesse primeiro dia, não tive muita coragem de enfrentar essa geleira, optei pelo mais facinho...
Em um momento, me aproximei da Elizete, outra que não era “velhinha”. Ela já estava me olhando curiosa enquanto eu estava em outro leito, tinha um olhar simpático, de quem queria uma prosa. E era isso mesmo, papeamos bastante, ficou um clima bom... Então decidi tocar a caixinha de música, “My Way”. Ficamos as duas em silêncio, ouvindo. Ela começou a chorar. Bem lá dentro me deu um segundo de desespero – “ai meu Deus, o que eu faço agora”, mas apelei pra Nossa Senhora dos Palhaços: não faz nada, uai! Então perguntei, com coragem: “por que a senhora está chorando?” E ela começou a me contar que deu saudades da família, que estava louca para ir embora, que tinham até trazido as coisas dela duas vezes mas, enquanto ela não estiver fazendo xixi normalmente, não pode ir para casa. Falou das filhas, que logo estariam ali para visitar. Foi se acalmando, contando suas dificuldades, a tristeza passou. Então eu disse que ia fazer uma “macumba” com a minha caixinha de música para o xixi sair logo, para ela ir pra casa rapidinho, fiquei tocando em cima da barriga dela, que agora ria muito.
Quatro da tarde, começaram a chegar as visitas. Achei que seria bem legal fazer essa interação, mas rapidamente percebi que tudo vira de pernas pro ar: os doentes querem a companhia, os familiares querem falar com os médicos, uma agitação total.
Consegui brincar um pouco levando as visitas para os quartos (nessa altura eu já sabia onde estava todo mundo), apresentando a família de um para o outro, mas depois decidi ir embora, pois já estava bem acabada...
Na saída não pude deixar de brincar com uma menina que estava comendo uma bandeja de sushi, era muito inusitado! Pois ela era a Desiree, filha da Elizete! Voltei então para o quarto dela, para contar que havia acabado de encontrar sua filha, e qual não foi minha alegria quando a Elizete me disse: “Olha que a sua macumba funcionou, foi só você sair que o xixi saiu todinho!”
Foi uma bela notícia para terminar, a sensação final foi muito boa. Senti que aqui nasce uma história de aprendizagem, trocas e experiências muito especiais.
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