sábado, 4 de dezembro de 2010

VOCÊ TEM UMA PERNA?


Outro dia entrei em um quarto onde havia um senhor, seu filho e esposa conversando. Eles abriram sorrisos imediatamente quando cheguei, aproveitei e fui brincando, conversando, divertindo e sendo divertida por eles. Comecei então a contar a clássica história da minha mala, que pode trazer qualquer coisa para dentro do hospital e também costuma levar uns quatro ou cinco que querem ir pra casa escondidos, só não pode contar para as enfermeiras.

Ele então me disse: a sua mala tem qualquer coisa? Qualquer coisa mesmo? E eu, claro, no meu orgulho palhacístico, disse: “Tudo, tudo o que você quiser”. Ele puxou o lençol, mostrou a coxa amputada e pediu: “Então me traz uma perna.
Um segundo, apenas um segundo de constrangimento da esposa e do filho. Ele não falou de modo mal educado, nem rancoroso, nem desafiador. Falou dentro do jogo mesmo. Ali, naquele momento, abertamente. Não tinha sido eu quem tinha dito que tinha tudo? Ele apenas pediu o que mais queria.

E, graças a Deus, eu não saí do jogo também. No segundo seguinte, como que nós dois criando a cena para os demais, disse que não tinha certeza, que tinha que dar uma olhada, e fui correndo pegar a mala.

Não dá para explicar bem como é pensar “o que é que eu faço agora” (na linguagem técnica: o que posso “propor”) x deixar o momento me guiar, tudo sem perder o timming, sem deixar a “cena” desmontar, sem frustrar meu parceiro – mas eu não tinha uma perna na mala, com certeza! E eu jamais poderia dar algo que compensasse aquilo!!!!

Bom, só sei é que voltei com a mala e fui pelo caminho contrário ao que o “público” (esposa e filho) esperaria, contra o olhar que ambos me deram no exato momento em que ele mostrou a perna amputada, contra a tristeza e a pena que tentaram invadir nosso espaço; peguei minha espada de Jedi e já fui brigando: “Você está louco? Você acha que eu levo pernas na minha mala? De onde tirou essa idéia? Você não está precisando de perna, está precisando de miolos”, e por aí fui. Nem precisei continuar muito, porque todos os “meninos” adoram essa espada, ela mesma vira um assunto e dali a pouco já estávamos em outra.

Foi um aperto, um grande exercício, mas nos salvamos todos, graças ao sempre fiel Deus dos palhaços...

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